sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Lynch em SP: "é absurdo pensar que não há liberdade no cinema"

Considerado um dos cineastas que melhor consegue invadir a imaginação e mergulhar no inconsciente humano, David Lynch conquistou a atenção de um auditório lotado de estudantes e convidados na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo, na noite de quinta-feira. Ele, que está no País para lançar o livro Em águas profundas - Criatividade e meditação, falou sobre seu trabalho e criticou sutilmente o presidente George W. Bush quando comentou o panorama atual do cinema.

A falta de liberdade dos diretores que hoje está praticamente implícita na atividade dentro da indústria hollywoodiana é algo que preocupa Lynch. "É um absurdo pensar que hoje você não tem liberdade no cinema. Não dar o corte final para o diretor é inadmissível", afirmou ele.

Mas "os Estados Unidos poderão se tornar menos conservadores a partir da próxima eleição", continuou, sem dizer claramente se prefere o candidato democrata Barack Obama ao republicano John McCain. Até porque, mesmo sendo rápido no gatilho, David Lynch sempre deixa a dúvida no ar, sujeita às mais diversas interpretações.

Sem a armadura de um texto decorado ou dogmático, o diretor se abriu para as perguntas dos ouvintes, tentando sempre encaminhar suas respostas para um tom sarcástico e bem-humorado. Começou contando sobre sua experiência com folhas de papel em branco, na infância, nas quais desenhava inclusive metralhadoras. Até que descobriu que o pai de um amigo era pintor, mas não um mero pintor de parede. Ele era um artista.

"E eu que pensava que desenhar era coisa de criança", ironizou. A partir daquele momento, Lynch teria decidido que queria uma vida que lhe desse liberdade para criar. E a pintura em movimento virou o seu cinema.

No Brasil, o diretor ficou conhecido pelos filmes Veludo Azul (1986), A Estrada Perdida (1997), Cidade dos Sonhos (2001), Império dos Sonhos (2006), além da série Twin Peaks (1990), que influenciou boa parte da narrativa das séries norte-americanas seguintes.

O mistério e o delírio de seus personagens são alvos constantes de questionamentos não só cinematográficos, mas também psicológicos. Lynch simplifica o estranhamento que seus filmes causam no grande público com uma frase não menos abstrata: "não é um jogo, mas a tradução de idéias. No começo, não sei o que elas significam, quanto mais abstrato, mais amplo. E todas as interpretações são válidas", ele garante.

O importante, para ele, é ser fiel às idéias para que elas virem um significado. "Você entra num mundo e vive os personagens que não existiram."

E para selar esse pacto de entrega ao sensorial, o diretor diz que é preciso "casar o som e a imagem para que a soma seja muito melhor que as partes." "Eu às vezes não entendo a idéia no começo, mas sinto e vejo. Esse casamento se dá na pós-produção."

Os atores, no seu set de filmagens, passam por diversos ensaios, até o momento em que se entregam aos personagens e ali se estabelece uma sintonia, de olho no olho. "Chega uma hora que eles se apropriam daquilo."

Além das sensações, Lynch aponta duas grandes influências em seu trabalho: a obra-prima de Franz Kafka, A Metamorfose, na qual um homem se transforma em um inseto; e também a cinematografia de Stanley Kubrick, diretor de Laranja Mecânica e 2001: Uma Odisséia no Espaço.

"Kubrick era um grande contador de histórias. Eu adoro entrar no mundo dele. Em 110 anos, ele foi o maior diretor da história do cinema."

Questionado sobre sua relação com a televisão e com os comerciais, Lynch disse que gosta muito das propagandas, principalmente porque elas lhe dão dinheiro. Mas, em tom mais sutil, garantiu que também aprende com elas o uso de novas tecnologias.

fonte: terra

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