HILARIE M. SHEETS
DO "NEW YORK TIMES"
O ateliê de pintura de David Lynch, numa cobertura em Hollywood
Hills, tem subprodutos de seu trabalho espalhados por toda parte.
Pinturas com figuras toscas, de aparência infantil, fazendo coisas
ameaçadoras estão apoiadas contra as paredes, desenhos inacabados se
espalham sobre a mesa enorme e bitucas de cigarros cobrem o chão.
Enquanto seu trabalho como diretor de cinema —"Eraserhead" (1977),
"Veludo Azul" (1986), "Cidade dos Sonhos" (2001)— e seu seriado de TV
"Twin Peaks" (1990-91) permearam a consciência pública, a arte visual de
Lynch é quase desconhecida.
Mas foi com a pintura que ele começou, na Pennsylvania Academy of the
Fine Arts, em Filadélfia, em 1966 e 1967, e é com a pintura que ele
continua a trabalhar mais ativamente. Sua primeira retrospectiva em um
museu dos Estados Unidos, "David Lynch: The Unified Field" [David Lynch:
o campo unificado], será aberta na Pennsylvania Academy em 13 de
setembro.
"Adorei o tempo em que estudei na academia", disse Lynch, sentado à sua
mesa de trabalho, tomando café e fumando. "O prédio era quase negro.
Filadélfia inteira era coberta por um tipo de pátina de pó de carvão e
um clima que era espetacular. Havia violência, medo, corrupção,
insanidade, desespero, tristeza, tudo isso na atmosfera daquela cidade.
Eu adorava as pessoas de lá. Todas essas coisas, do jeito que fosse,
tudo isso foi minha maior influência."
A retrospectiva reúne pinturas e desenhos de cinco décadas.
"Acho que o mundo artístico olhava David com desconfiança, apesar de ele
ter estudado artes plásticas", disse Brett Littman, diretor executivo
do Drawing Center, em Nova York.
Lynch, que tem 68 anos, disse que sempre teve medo de ser visto como
"pintor celebridade" e nunca procurou expor seus trabalhos ao público.
Nascido em Missoula, Montana, Lynch pintava quando era criança, mudando
de cidade conforme as exigências do trabalho de seu pai, pesquisador do
Departamento de Agricultura. Em Alexandria, Virgínia, aos 14 anos,
conheceu um amigo de seu pai, artista plástico profissional que virou
seu mentor. "Quando descobri que adultos podiam fazer arte, passei a só
querer fazer isso", ele comentou.
Em 1967, contou, ele recorda ter visto plantas começarem a se mexer em
sua pintura. Ele e Bruce Samuelson, outro estudante, trocaram ideias
para animações, e Lynch comprou a câmera mais barata que conseguiu
encontrar.
Seu esforço para criar uma "pintura móvel" resultou em "Six Men Getting
Sick" [seis homens adoecendo], instalação multimídia pela qual dividiu o
primeiro prêmio do concurso de pintura experimental da escola naquela
primavera. Ele criou uma tela em grande escala de resina, da qual se
projetavam três impressões de sua própria cabeça. Sobre essa superfície
esculpida, projetou uma sequência repetida de um minuto, pintada à mão,
animando seis cabeças em várias etapas de mal-estar. Enquanto uma sirene
uiva e os rostos se distorcem, seus estômagos se enchem de fluido e
este irrompe de suas bocas.
"Era uma pintura, era uma animação, era uma escultura cinética", disse
Samuelson, que a viu exposta pela primeira vez. "Todo mundo
enlouqueceu."
A retrospectiva na Pennsylvania Academy também expõe seus experimentos
contínuos no cinema, combinando animação e ação ao vivo: "The Alphabet"
(1968) e "The Grandmother" (1970), em que um garoto sedento de amor faz
uma avó "coruja" nascer de uma cápsula. Graças ao filme, Lynch foi
aceito como membro do American Film Institutote, em Los Angeles, para
onde se mudou com sua família em 1970. Durante boa parte da década
seguinte ele se ocupou em criar "Eraserhead", seu primeiro
longa-metragem, que, segundo Lynch, "nasceu de Filadélfia".
"Como pintor, você faz tudo você mesmo, e eu pensei que o cinema fosse
assim", disse Lynch. "Mas você tem pessoas que o ajudam." E foi o que
aconteceu com "Eraserhead".
Agora o refinamento das pinturas deu lugar a um estilo ainda mais
intencionalmente ingênuo e bagunçado, sugerindo a perspectiva de uma
criança.
"Gosto de pensar muito perto de minha própria realidade", disse Lynch,
que tem uma filha de 2 anos com sua mulher, a atriz Emily Stofle. Ele
hesita em mostrar qualquer trabalho em curso. "Neste momento estou
perdido numa transição", explica. "O velho morreu, e ainda não sei o que
é o novo."
Fonte: Folha de São Paulo
terça-feira, 9 de setembro de 2014
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